sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Alergia


                O céu estava tão límpido, tão azul, tão claro, com umas nuvens brancas gostosas de apertar. O sol estava em seu estado primitivo de laranja quando ela levantou-se e foi para o banho quente. A pele morena que contrastava com o tom de mel dos olhos estava em perfeita harmonia com os invejáveis ondulados cabelos castanhos na altura dos seios.
                Ah! Aquela sensação de banho, a água quente escorrendo por sobre a epiderme lisa e perfeita, cada gotícula entrando nos poros fazendo com que a temperatura aumentasse em todas as partes.  O sabonete líquido, produzido com champanhe funcionava divinamente, deixando a pele macia e sedosa.
                Contudo, algo a intrigou, uns pontos vermelhos por todo o lado esquerdo do corpo. Aquilo coçava e, cada vez que coçava, doía a ponto de arrancar-lhe algumas lágrimas. ‘‘Droga!’’, ela praguejou. A alergia. A maldita alergia de amor voltara. E voltara desta vez com poderes letais.
                Saiu às pressas do chuveiro. Olhou o relógio, eram 6:15 da manhã.  Ainda faltava muito tempo para que pudesse chegar à faculdade. Sentou-se, ainda enrolada com a toalha felpuda branca, no sofá e pôs-se a ver TV.
                Todos os programas favoritos dela pareciam perseguir-lhe. Todos falavam de amor. No momento em que ela menos precisava, no momento em que ela menos queria, o amor estava no ar, estava na água das fontes da praça, no chão de todo continente. Uma praga que se espalhava tão... Espantosamente, que ela tinha medo. Muito medo.
                Resolveu desligar o aparelho e foi trocar de roupa. O que usar? Escolheu uma calça jeans skinny, de lavagem escura e sem muitos detalhes. Uma blusa básica de algodão gola ‘’V, manga três quartos e cor caqui. Nos pés, uma sapatilha nude com fivela dourada na ponta. Prendeu os cabelos num coque e saiu cidade a fora, as seis e quarenta e sete da manhã.
                Ela rodou sem rumo, o sol estava começando a amarelar. O carro cinza vagou por minutos a fio sem saber exatamente onde queria parar. “Não!”, ela gritou assim que percebeu onde estava. Aquele lugar só traria mais e mais coceira, cada segundo ali aproximá-la-ia da morte. O parque. A fonte. OS brinquedos. A pista de corrida.
                Parou o carro e desceu. Respirou fundo e olhou ao redor. Dessa vez não havia ‘’ele’’ para que seu coração se acalmasse, entrasse em paz e ao mesmo tempo, euforias de modo indizível arrebatavam sua mente, palpitando muito mais que o normal aquele pobre coração.
                Cada neurônio mandava um comando para cada célula de cada pé daquela mulher, contudo, estes eram bastante resistentes, travavam como ninguém conseguira ver antes. E com muito esforço, o pé direito espaçou seu primeiro milímetro adiante, mirando o balanço vermelho.
                Sete e treze da manhã. O céu continuava lindo, o sol ousou iniciar o aumento de sua temperatura. A mão esquerda, empolada e delicada, com belas unhas feitas e pintadas de vermelho vinho, subiu a manga direita da blusa; a direita, retirou de dentro da bolsa uma câmera fotográfica.
                Aquela máquina guardava as melhores lembranças de um passado não tão distante, contudo era um ‘’lá atrás’’ que a pequena agradecia ter tido, pois sua alergia era intacta naquela época. Ligou-a, reviu as fotos de antigamente, sua pele não era empolada, em especial na pele que revestia o local externo onde se encontrava o coração, seus cabelos eram sempre soltos para que ele pudesse passar as mãos todos os dias, evitando que ela os penteasse.
                O amor fazia falta. Sua alergia não. Ela gostava do amor, ele era companheiro, doce, sincero, protetor, amigo. Merda, por que diabos aquela reação tinha que estar logo nela? Logo em seu corpo? Por quê? Os lábios apertaram-se, num gesto de tristeza e culpa. Se naquele dia não tivesse...
                Todavia, agora tudo foi deixado para trás: a dor, a culpa, as lágrimas, as... Fotos. Por mais dolorido que fosse, era necessário que tudo estivesse em seu lugar e então a cura para o mal, viria. A pele empolada, as dores, os efeitos anestésicos dos pensamentos que ela deixava fluir, tudo isso iria embora se ela conseguisse deixar o passado no passado.
                E o amor se foi. Ele se foi. Ela se foi. As lágrimas se foram. As fotos se foram. O parque se foi. A pista de corrida se foi. O balanço vermelho se foi. A máquina se foi. E a alergia ficou, o amor jamais seria para ela a partir de agora.
               

4 comentários:

  1. q lindo
    by: João Paulo

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  2. Arrasou Anna Lauraa.. Super bacanaa!!! uhuuullll = D Parabéns!!! Bjim
    --> Thamires

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  3. Obrigada Thamires, de verdade, sabe o quanto sua opinião é importante para mim :D @annamoud

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