terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Aquilo que não vai voltar.



A porta está aberta e você pode entrar. Ah! Sinta-se à vontade. Pode sentar.
A sala está arrumada, como pode ver. Não restaram muitos móveis, apenas o básico e necessário. Faz tempo que você veio aqui e eu me lembro da sua feição ao se deparar com toda àquela parafernália... Lembra? Ninguém sabia aonde pisar ou o que tocar, era tudo tão cheio, que ainda me pergunto como eu não sufoquei com tantas coisas ao meu redor. Porém está diferente agora, é notável, não é? Eu juntei tudo aquilo, coloquei em inúmeras caixas e pus lá fora, longe daqui. Foi uma verdadeira faxina.
Você quer olhar por aí? Pode ir. A cozinha está limpa, brilhando e especialmente fria. Não há nada queimando, vê? Não há nada para lavar, não existe sujeira. Eu também recordo-me de como era e eu também resolvi limpar aqui. Toda aquela sujeira me dava náuseas e eu nunca tive noção do quanto me fazia mal, não até o dia em que eu resolvi passar um pano e lavar tudo que eu não tinha ideia, mas fora tão desnecessário. Hey, o banheiro continua quase o mesmo, não se preocupe. Eu só abri o ralo e deixei a água acumulada ir embora. Eu estava quase me afogando e só me dei conta disso quando a água cobriu minha cabeça.

Não! Não entre aí. Aqui fora está tudo arrumado, mas o quarto... O quarto continua igual. Uma verdadeira bagunça. Eu tentei dar um jeito, mas... Não há faxina que arrume essa confusão. Há doces sorrisos e lágrimas amargas. Está vendo aqueles pedaços? Ali, quebrados no chão? Foi um coração partido, é claro que eu consegui montar e colar boa parte, mas estes aí, não consegui encaixar em lugar nenhum. Não toque aí! É uma ferida não cicatrizada e ela dói, ao mínimo toque, ela inflamou e eu tentei colocar remédio, mas parece que tornou-se crônica e agora vive assim... Há períodos em que ela quase cicatriza. Quase.
Aqui nesse quarto há um pedaço, por mais mínimo que seja, de tudo. Existem amores roubados, incertos e felizes. Existem amizades perdidas, guardadas e passadas. Há pegadas daqueles que passaram e marcas daqueles que se foram. Tem o passado feliz e triste. Há retratos quebrados, rasgados e incompletos. Há o presente certo e duvidoso. E há até um futuro, com caminhos bifurcados. Tem esperanças que julguei perdidas e sonhos esquecidos. Há o que doeu, o que dói e o que ainda vai doer.
Há tudo, há nada, há você.
Feche esta porta. Vê? Não tem como arrumar, não existe maneira de colocar nada no lugar.
Muita coisa mudou, se perdeu e algumas outras ainda estão aqui, notou? E não adianta mais querer mudar, o que foi quebrado não vai mais voltar. Pode percorrer o mesmo caminho para voltar, a saída continua no mesmo lugar, que você conhece bem.

E, por favor, feche a porta.




Fernanda Farias