domingo, 30 de outubro de 2016

Agora.


O céu alaranjado a sua frente fez os olhos encherem de lágrimas. Lembrou-se dele. De sua vitalidade, força e sorriso. Lembrou-se do abraço, do aconchego e do encaixe.
Se apaixonou como quem cai num sono: suave. De repente. Sem perceber.
Ele estava sempre consigo. Então quando percebeu o que sentia, o medo de estragar tudo lhe dominou. E a cegou.
Sufocou o sentimento.
Guardou dentro de si, trancado a sete chaves.
E ele continuava lá ao seu lado. Sempre estava.
Construiu o mundo ao lado dele. Pintou céus com as mais incríveis cores da aquarela. Fez seu mundo, o mundo dele. O mundo dele, o seu. Sorriu, chorou, acalmou. Ouviu, falou, aconselhou. Sempre amigos. Sempre companheiros. O coração disparava a cada aproximação, o sentimento guardado, além da amizade, queria sair. Explodir. Gritar. Mas o reprimiu.
E se ele se afastasse? Se risse? Não suportava nem a ideia.
Sufocou. Nunca disse.
Aceitava tê-lo em qualquer posição. Só não queria perdê-lo.
Mas perdeu.
Ele lhe foi arrancado. Uma estrada e uma moto. Foi o suficiente. Partiu. Sem despedidas, sem aviso, sem consolo. Sem volta.
O coração aperta toda vez que lembra. Se tivesse dito. Se tivesse mostrado. Se tivesse deixado levar. Se não tivesse deixado o medo ser maior. Se. Teria sido diferente?
Não sabia. Não dava mais para saber.
O tempo não voltava mais.

Sufocou o choro repleto de palavras que nunca falou. De sentimentos que nunca mostrou. Dos rótulos e do medo que foram maiores.

Pegou uma caneta em sua bolsa bagunçada e escreveu no jornal jogado ao seu lado no banco onde estava sentada. Esperava que alguém fosse ler. Esperava que chegasse a alguém e esse mesmo alguém não cometesse os mesmos erros. Esperava fazer alguma diferença.

"Você já disse a alguém que ama, o que sente, hoje? Já disse o eu te amo? Não perca tempo."

Aprendeu que não tinha tanto tempo. Aprendeu que a vida é fugaz. E que tudo pode desaparecer... De repente.


Fernanda Aracelly

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Injustiça

É de tamanha deselegância e injustiça que seu belo par de olhos verdes vaguem por aí como se brincassem na beira do abismo. Cada direção que ousa passar pelo seu foco é brutalmente destruída e ferozmente atraída por eles.



Quando seus lindos olhos resolveram mirar a vida, faltou fôlego para a humanidade compreender o que é viver. É provável que até hoje ninguém tenha tido a grande sacada que esse encontro teve, mas, inegavelmente, foi paralisante.



Você não tem a menor noção disso, não é? Do quanto a sua vivacidade nos chama para viver também, andar na linha mais perigosa do abismo para aprender a ter cuidado e que o medo só é bom até o momento em que não lhe impede de seguir.


Você deveria saber que, sem querer, nos ensina a olhar cada situação que nos acontece como se fossemos Pollyannas, mas, não tão inocentes assim. Você mostra que a estrada é estreita e longa, vai dar insegurança de vez em quando, mas, dá pra ter perseverança. Você não imagina que consegue fazer com que todos entendam: por mais estreita que a estrada seja, nunca é tão estrita a ponto de não caber outra pessoa. Que não é feio reconhecer o erro e é necessário pedir ajuda pra não cair. Que a mão estendida pode ser daqueles que menos esperamos que estendam e, além disso, a decepção de perceber aqueles amigos que não ajudaram vai passar e tudo bem. Vida que segue.



Você pode dizer que com seus vinte e poucos anos ainda não sabe nada da vida. E que o mundo está louco por enxergar sabedoria em alguém tão cliché. Entretanto, todo cliché tem seu lado professor. E que cada mestre tenha olhos verdes tão lindos quanto os seus.


Anna Laura Tavares

domingo, 23 de outubro de 2016

Ajuda

Os olhos dela estampavam um pedido de ajuda, de maneira não tão casual assim, afinal, ela queria que ele a ajudasse a matar a saudade longo do tempo que ficaram sem se ver.

O painel do aeroporto acusava que o avião já havia pousado. Cada minuto agora seria crucial, não poderia desgrudar os olhos nenhum instante sequer porque facilmente o perderia de vista naquela sala de espera lotada. Cada vez que a porta automática se abria, o coração acelerava, a boca ficava seca e os pés se preparavam, como se fosse alçar voo.


Assim que terminou de colocar as luvas nas mãos (afinal, o inverno de Moscou era bastante intenso), as portas resolveram se abrir e por elas passava alguém de cabelos castanhos e cacheados, um sorriso que iluminava e agitava a madrugada silenciosa, os olhos que não hesitaram em olhar diretamente para ela, como se não houvesse nenhuma pessoa ao redor. Parecia que tudo estava em câmera lenta, cada passo rumo ao outro era dado com firmeza, como que para verificar se tudo aquilo era real.


E era. Quando os corpos carregados de roupas grossas apertaram-se um contra o outro, ninguém mais duvidou que aquilo era real. Era sincero. Era bonito. Ele tirou uma flor murcha do bolso, entregando a ela com uma cara de ''desculpe, foi o que deu pra fazer''. Mas, era a flor do deserto que ele prometera. Sorriram. Beijaram-se. Correram para o táxi e chegaram ao hotel.


Ele deixou as malas no closet, junto as dela. Retirou a touca de lã que cobria os cabelos cacheados e acobreados que batiam pouco acima do ombro. Retirou a flor da orelha direita. Beijou-lhe uma bochecha e passou o polegar na outra. De olhos fechados, ela retirou dos ouvidos o headphone roxo que ele adorava, tateou o rosto até conseguir retirar os óculos de hastes firmes e marrons.


Toque após toque, sorriso após sorriso, olhar após olhar, tropeço após tropeço até chegarem à cama, luz após luz apagada, as roupas se esvaíram e apenas o amor ficou. Não havia o frio tenebroso lá de fora, não havia a conta de energia atrasada, não havia mais a briga porque não mandou mensagem na estrada. Não havia o mau humor matutino - que era um saco aguentar, não havia a falta de atenção aos pequenos detalhes.


Talvez eles não soubessem ainda, mas, também haveria outras vezes. Aquele era um ciclo que se encerrava ali. Naquele hotel. Naquela noite. Talvez eles não soubessem do caos que causavam ali ou da bagunça que faziam um no outro. Entretanto, eles sabiam que aquele momento seria eternamente deles.






Anna Laura Tavares

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Mesmo que não seja para sempre

   
    Me permita te dar um conselho: pensa bem. Pense muito bem antes de tomar aquela decisão... antes de entrar na vida de outra pessoa.
    Por favor, não seja hipócrita ao ponto de pensar apenas nas suas consequências. Resista ao egoísmo.
    Você pretende mudar a rotina de alguem; bagunçar seus sentimentos (ou em alguns casos, colocá-los no lugar); roubar-lhe alguns pensamentos durante as 24 horas do dia; importunar-lhe os sonhos; tornar seu futuro uma incógnita.
    E ainda ousa não refletir sobre esse comselho que lhe dou, como boa amiga?!
    E, ah! Permita-me dizer mais?
Não tenha a audácia de se aproximar se não for com a verdadeira intenção de ficar. Ficar por um bom tempo. Tempo suficiente para fazer valer a pena as mudanças radicais, os questionamentos e medos. Ou, quem sabe, pelo resto da sua vida.
    Tudo bem... também sofrerá grandes mudanças,  eu sei. E talvez também tenha medo. É compreensível.
    Mas com isso, depois de decidido, sinto lhe dizer, mas é sua completa obrigação saber lidar.
    Porém, se decidir se aproximar, e se eu te permitir a entrada, saiba que é para ficar.
    Mesmo que não seja para sempre.
    Mas por ter decidido te receber, também espero que tenha decidido permanecer.
    É o mínimo que espero de alguém que esteja disposto a mudar minha vida, meus planos e meu futuro.

Geyse Ribeiro