A folha extremamente branca, vazia, brilhava diante dela;
como em gritos silenciosos de que precisava ser preenchida. Por que, afinal de
contas, ninguém vive se tem o coração vazio.
Suspirou vagarosamente, pensando sobre o que poderia
escrever. Amizade. Amores. Família. Momentos. Mas nada parecia adequado, no
entanto. Se ela escrevia para que pudesse se aliviar quando está quase
transbordando, ou para se encher de algo quando se sente muito oca, nada
parecia bom o suficiente para fazê-la se sentir melhor.
Colocou-se a mirar a janela á sua frente. O sol se punha,
colorindo o céu de um alaranjado-amarelado vivido. Suspirou mais uma vez,
percebendo que havia feito alguns rabiscos na folha, sem nem ao menos ter
percebido.
Nunca soube desenhar muito bem. Seus traços eram sempre
trêmulos e tortos, quase sem forma. Contudo, ela entendeu através daquele
desenho desajeitado sobre o que ela realmente queria escrever.
Sobre saudade. Saudade era a única coisa que lhe transformava
em um verdadeiro ser humano, naquele momento. Já que, de alguma forma, os outros
sentimentos estavam bloqueados dentro de alguma parte dela.
Saudade da sua infância; a mais doce de suas fases. Saudade
das pessoas; mesmo aquelas que por livre e espontânea vontade haviam se
afastado. Saudades das amizades da sua adolescência; amigos esses que agora
trilhavam caminhos diferentes, distantes dela. Saudades de quando possuía controle
sobre si; entendendo o que sentia e sabendo exatamente como agir diante à tudo.
Saudade, simplesmente saudade.
Quando deu por si, lá estava a página preenchida em uma
letra torta e pequena. Sorriu, um tanto quanto aliviada. Levou os olhos à
folha, relendo o que escrevera.
E nas entrelinhas, ela pôde ler sorrisos, lágrimas, amor,
felicidade, mágoas, sonhos. Todos aqueles sentimentos que ela pensava não
sentir mais. A saudade, de alguma forma, a havia guiado novamente de encontro a
ela mesma.
Mirou o céu antes de dobrar a folha em quatro partes e
depositá-las junto às outras folhas amareladas. A lua subia pelo céu quase imperceptível.
Sorriu novamente, desejando que aquela pequena bola brilhante não demorasse a
encontrar o seu lugar ao céu; Assim como ela havia reencontrado o seu.
@Geysedmes
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