segunda-feira, 21 de março de 2011

E aqui lhes vai uma história, no mínimo, interessante.

Somos quem podemos ser.
PRÓLOGO
            Por várias vezes tentamos agradar alguém. Por várias vezes erramos ao tentar agradar pessoas que deveriam admirar-nos por quem realmente somos. Um dia, todas as máscaras sempre caem, e cabe a nós orgulhar-nos ou não sobre o que está sendo mostrado ali…
                                             Somos quem podemos ser
            Em uma dessas tentativas, aparece em minha vida Megan, uma magricela de vinte e poucos anos, inteligente, elegante, bem sucedida e bonita, pelo menos quando comia.
            Eu, uma pessoa distante da humanidade – de certo modo – senti certo receio ao receber em minhas mãos o relatório sobre o estado de saúde de Megan: anorexia nervosa com seriíssimos agravos psicológicos.
            - Posso lhe fazer uma pergunta? – digo, preparando uma injeção.
            - Sim. – diz ela, fraca, frágil, com os olhos semi-cerrados e a voz que lutava para passar poucos centímetros para fora da garganta.
            - Como chegou ao quadro de anorexia?
            - Tentei agradar três pessoas. – assim que o disse, minha garota desviou o olhar, creio que para ela aquilo não era uma boa lembrança.
            - Quem? – perguntei realmente curiosa, porém preparada para o caso da paciente não querer conversar sobre o assunto. Eu estava com tempo, não havia nenhum paciente naquela noite, então, acomodei-me no sofá do quarto, e pus-me a escutá-la.
            - Primeiro, meu namorado.
            - Por quê?
            - Bom, ele é meu mundo, e sou o mundo dele. Eu queria sempre estar bonita e magra para ele, e eu me culpava por ser como era, não era gorda, estava normal segundo os médicos, mas… Eu nunca estava satisfeita. Ele achava que era loucura, que eu estava linda como estava, contudo eu não acreditava nele, bom, tentava não acreditar.
            - E ele vem lhe visitar aqui no hospital?
            - Ele vinha agora parou. Disse que só voltaria quando eu engordasse. Ele não é cruel? – seus olhos enchem-se de lágrimas e ela luta para contê-las.
            Não respondi, não consegui.
            - A segunda pessoa…?
            - Minha mãe.
            - Sua mãe? – digo realmente espantada.
            - Sim. Desde pequena, trabalho como modelo profissional e há muito tempo fiz algumas aulas de dança. Minha mãe sempre dizia-me que era preciso estar e ser magra, pois as magras conseguiam tudo. E é verdade – ela ri um riso de indignação, não de achar graça – com o salário de modelo viajei para a Europa, estudei, formei-me lá, tudo com o melhor. Conheci meu lindo namorado pelo qual sou extremamente apaixonada e apesar de sua condição para ver-me, sei que ele me ama também. Mas minha mãe sempre fazia minha cabeça, e para agradá-la, comia cada dia menos, até chegar onde estou agora.
            - E a terceira? – mal podia esperar para saber quem era, eu estava concentrada naquela história.
- Deus.
            Espantei-me prontamente. Deus? O namorado era de se esperar, consideraria natural, a mãe não seria tão casual, mas se tratando de pessoas, seria “normal”, seja lá o que isso significasse naquela situação.
            - Deus? – não consegui esconder meu espanto.
            - Sim.
            - Por quê?
            - Eu cresci em seguindo uma igreja, seguia a risca a bíblia, e minha mãe sempre cuidava para que eu não saísse da linha, porém eu nunca senti Deus em minha vida, quando eu mais precisava, como na morte de meu pai, eu não o sentia comigo. Então, se eu fazia tudo certo, por que diabos ele não me queria? Pensei ser a aparência, daí eu fui emagrecendo cada vez mais. “Viver era uma ferida aberta.”, já dizia Clarice Lispector.
            Uau! Uma garota anoréxica que lia Clarice Lispector e com falta de fé em Deus. Com certeza ela possuía agravos psicológicos. Novamente não respondi, fiquei calada, e fui saindo devagar da sala enquanto ela observava-me vagarosamente, e com lágrimas jorrando de seus olhos.
            - Hei! – ela tenta gritar, esforçava-se bastante.
            - Pois não. – tentei agir o mais natural possível.
            - Você me deixará morrer? – sinto a esperança rugir como um leão por trás de sua voz. Ela queria viver e eu tinha de ajudá-la.     
            - Isso só dependerá de você. - disse e fui embora.
            Passa-se duas semanas. Eu estava tomando um delicioso capuccino, quando chamam-me ao quarto 209. Vou correndo, e quando recordo-me de quem o era, paro.
            Megan.
            Será que…?

             
EPÍLOGO
            - Onde estou? – diz ela, um tanto confusa.
            - No céu, meu bem. – diz um homem de cabelos brancos, a voz grave e rouca, os olhos igualmente verdes aos de Megan.
            - Pai? Pai! – ela corre e abraça-o, feliz, sorrindo como nunca sorrira antes. – Onde estou?
            - No céu, querida.
            - No céu? – ela espanta-se.
            - Sim.
            - Eu morri?
            - Sim.
            - Como?
            - Não te recordas da anorexia?
            - Sim… – seu olhar era de pesar, porém não conseguiu chorar.
            - E o que devo fazer agora?
            - Há alguém que quer falar-lhe.
            - Quem?
- Você verá. Siga-me até a sala real.
            - Há uma sala real aqui?
            - Sim.
            - Entrem. – disse uma voz suave.
            - Quem é ele, pai? – Megan diz, cochichando para o velho.
            - Sou Deus. – respondeu a voz. Era estranho, a voz todos ouviam, porém de onde vinha, de quem era, ninguém sabia.
            - Deus?
            - Sim, lhe mostrarei alguns recados que não pôde ver.
            Então, de repente várias imagens da vida dela começaram a aparecer no ar. A primeira foi quando ela tinha dez anos, na morde do pai.
            - Lembra-te da morte de teu pai?
            - Sim. – ela diz, com os olhos cheios de lágrimas. Então, a imagem muda, aparece Megan deitada, e seu sonho nas noites de luto pelo pai. Os sonhos eram bons, e a voz soa novamente:
            - Eu velava teu sono, não deixava que coisas ruins acontecessem neles, você era uma criança, e elas são as maiores purezas que já criei. Eu estava contigo.
            Silêncio.
            A imagem muda novamente. Agora era um acidente de carro, o namorado dela ficara em coma por meses.
            - E no acidente, estavas comigo, Senhor? – Megan pergunta um tanto revoltada.
            - Sim. – a imagem muda de novo. Era Megan no mesmo carro, e minutos antes do acidente, ela sai, pois havia brigado com Marcos.
            - Como estava comigo nesta hora?
            A imagem falava por si, Megan ficara de fora, e Deus lhe dera forças para cuidar de Marcos. Ele estava com ela.
            - Então, por que eu nunca O senti antes, por que eu sempre achei que o Senhor não estava comigo? – ela chora.
            - Porque você estava tão confortada por mim, que nunca prestara atenção em quem realmente sou. Todavia, eu sempre estive com você. Eu tem amo, Megan, e sempre te amarei. Você é quem você pode ser. E eu te amo do jeito que és.

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