sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Espelhos

Seu chão era um enorme espelho que, em certo ponto do horizonte, não se enxergava mais, igual àquele momento quando o mar de funde com o céu. Era bonito e tranquilo.


Ele ainda não sabia o porquê, mas, o chão começou a ficar instável. Cada dia mais o medo se instalava. E, de repente, precisou olhar para o chão. Vez ou outra isso acontecia, entretanto, desta vez, parecia sério. O coração gelou.


Não muito tempo depois, o espelho quebrou. Milhões de pedaços espalhados por todo canto e houve cortes profundos, feridas novas foram formadas e algumas antigas foram reabertas e toda a dor voltou.


Olhou ao redor, viu que estava sozinho, aquele seria um momento dele com ele mesma. Ainda sangrando e dolorido, respirou fundo e atentou-se para alguns detalhes: o espelho estava quebrado, porém, ainda havia alguma coisa ali embaixo. Percebeu, então, que sua base era forte, apesar de tudo.


Reparou que os machucados reabertos latejavam, todavia, era possível suportar e, com calma, dava para pensar em curativos. E, por último, olhou cada caco ao seu redor. Os antigos estavam embaçados, alguns sujos, ele não se reconhecia mais neles. O insight veio: o passado precisava ficar para trás, ainda que fosse importante saber cada passo trilhado até ali.


Vez ou outra, essa situação acontecia. Tudo cicatrizava e a vida seguia. Dessa vez, não seria diferente, seguiria adiante, no seu tempo, curando e cicatrizando cada ponto necessário. Quem quisesse, que tivesse paciência de esperar. Era o SEU mundo em crise e precisava de ajustes.


Pé ante pé, levantou e tentou dar um passo. Mirou o chão, analisou que via seu reflexo em cada placa parada sob seus pés. Cada reflexo era diferente. Cada um levava a um caminho que ninguém sabia onde dava, mas, até onde se conseguia ver, eram caminhos planos.


Tantos planos pela frente. Como saber qual dará certo? Como decidir qual seguir? Qual vai demorar mais para quebrar? Em qual ele não estará sozinho? Era impossível saber. E era inútil pensar sobre isso.


Em silêncio, fechou os olhos, cantou a antiga canção de ninar, sorriu. Demorou um pouco, mas, rodopiar às cegas não doeu tanto, o chão de espelho estava se refazendo e algumas feridas não perturbavam mais.


Ouviu seu coração. Ouviu sua razão. Tentou fazer com que os dois chegassem a um acordo e, quando conseguiu falar feito, decidiu qual plano seguir.


De vez em quando, a instabilidade voltava, ora mais fraca, ora mais forte. Às vezes havia alguém para ajudar, às vezes, ele precisava encara sozinho, como dessa vez.


No novo caminho escolhido, foi mais cauteloso e se orgulhou disso. E havia alguém. Ficou feliz por isso. E sentiu que essa pessoa (assim como poucas outras) estaria ali, mesmo que ele precisasse encarar sozinho. Decidiu ficar, livre, acima de tudo. E viu o plano ser mais leve.




Anna Laura Tavares

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